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A previdência privada foi instituída no Brasil em 1977 com a finalidade de complementar o Regime Geral da Previdência Social, possibilitando aos contribuintes uma fórmula regulamentada, que atualmente é regida pela Lei Complementar 109/2001.

Com o passar do tempo, verificou-se que a finalidade para a qual a previdência privada foi instituída acabou se modificando. Ao invés de ser um mero instrumento de complementação de renda na aposentadoria, os planos de previdência privada passaram a ser utilizados como modalidade de investimento (especialmente em decorrência de benefícios fiscais) e de planejamento sucessório (principalmente porque, via de regra, a previdência privada não entra no inventário e sobre seu valor não incide imposto de transmissão em caso de falecimento).

Na partilha de bens em caso de divórcio ou dissolução de união estável, não havia um entendimento consolidado dos Tribunais Estaduais, os quais ora reconheciam a possibilidade de partilha do valor acumulado pelas contribuições realizadas (entendendo se tratar de um investimento), ora reconheciam a impossibilidade de partilha (entendendo se tratar de um seguro/pensão).

Agora uma das Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu os critérios para definir em quais hipóteses os planos de previdência privada podem ser partilhados.

Inicialmente, em 2017, no julgamento do Recurso Especial nº 1.477.937/MG, a 3ª Turma do STJ decidiu que, nos planos de previdência privada fechados (acessíveis exclusivamente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial), as contribuições realizadas são incomunicáveis, não podendo integrar a partilha em caso de divórcio ou de dissolução de união estável. Dentre outros fundamentos, apontou o Tribunal que nessa modalidade de plano de previdência, o resgate das contribuições não é livre, somente sendo permitido se preenchidos requisitos específicos pelo participante. Além disso, sustentou-se que o princípio nuclear da previdência complementar fechada é o equilíbrio financeiro e atuarial, o qual é permeado de cálculos extremamente complexos, que consideram para a saúde financeira da entidade, inúmeras variáveis, de maneira que acrescer o regime de casamento ao cálculo desequilibraria o sistema como um todo.

Mais recentemente, em 2020, a mesma 3ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.698.774/RS, sacramentou a incomunicabilidade dos planos de previdência fechados, mas decidiu que, nos planos de previdência privada abertos (acessíveis a quaisquer pessoas físicas, podendo ser individuais ou coletivos – os mais conhecidos são o VGBL e o PGBL), as contribuições realizadas podem ser comunicáveis, a depender do momento em que se encontra o plano. Quanto ao ponto, importante esclarecer que há dois momentos distintos nos planos VGBL e PGBL: (i) o primeiro, denominado período das contribuições, em que são realizadas as contribuições para acumulação de recursos, as quais podem ser resgatadas a qualquer tempo; e, (ii) o segundo, denominado período do usufruto, quando cessa o período de contribuições (o que dependerá do regulamento do plano), sendo que, neste momento, os participantes, em regra, podem optar pelo recebimento de uma renda mensal (que pode ser vitalícia ou por período determinado) ou pelo recebimento um pagamento único (resgate).

Neste cenário, entendeu a 3ª Turma do STJ que apenas no momento em que são transformados em renda, não sendo mais possível o resgate de todo o valor acumulado, o plano passaria a ter natureza de seguro/pensão, sendo o valor acumulado e a renda recebida, portanto, incomunicáveis e não partilháveis. A contrario sensu, enquanto resgatáveis, os planos teriam natureza de investimento, podendo o valor acumulado, portanto, ser comunicável e partilhável.

Portanto, são dois os fatores determinantes para que seja definida a partilha ou não dos planos de previdência privada: (1) se o plano é fechado ou aberto; e, (2) se há a possibilidade ou não de resgate do valor acumulado. Apenas nos planos de previdência abertos ainda não convertidos em renda (sendo possível o resgate do valor acumulado) é que as contribuições seriam comunicáveis.

Soma-se a isso, ainda, a possibilidade de utilização do plano de previdência como instrumento de fraude na partilha dos bens, hipótese na qual, se comprovada, igualmente pode implicar sua comunicabilidade.

Em conclusão, é importante destacar que  dita decisão ainda não está consolidada no referido Tribunal, e, mesmo diante do entendimento adotado pela 3ª Turma do STJ, apenas a análise das circunstâncias específicas do plano de previdência em cada caso é que permitirá definir a partilha ou não do valor acumulado em caso de rompimento da relação. Recomenda-se, por isso, cautela redobrada aos interessados na utilização de planos de previdência para suas diferentes finalidades, a fim de avaliar, com segurança, a melhor alternativa a ser seguida para cada situação ou objetivo.